MARCELLO BRITO
Presidente do Conselho Diretor (gestão 2019/2021) da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG)

PRESENTE NA 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-26/UNFCCC, nas siglas em inglês), realizada em Glasgow (Escócia), em novembro último, Marcello Brito traça uma visão positiva sobre o resultado desse importante evento. A criação do mercado de carbono atende um anseio antigo da sociedade no âmbito mundial. Na sua expectativa, se os ventos políticos soprarem ao nosso favor, o agro nacional estará bem mais próximo da liderança global ao final desta década. Mas o presidente do Conselho Diretor da ABAG lembra com atenção as tarefas urgentes a serem superadas, como o problema crônico do desmatamento ilegal, que, se resolvido, fará o País sair imbatível, pois é a maior potência agroambiental deste Planeta.

AGROANALYSIS: FORAM TRÊS ANOS À FRENTE DA ABAG. QUAL É O SIGNIFICADO DESSA EXPERIÊNCIA?
MARCELLO BRITO: Acompanho a ABAG há mais de vinte anos e sempre tive uma enorme admiração por essa instituição que sempre esteve presente nas grandes ações disruptivas do agronegócio nacional. Quando o tema Amazônia ainda não tinha o vigor de agora, a ABAG já apoiava a Moratória da Soja. Quando a ótica ambiental ainda não tinha a atração atual, a ABAG já lançava o Instituto para o Agronegócio Responsável (ARES), além de ter feito parte da construção da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Também foi protagonista em ações contra o desmatamento ilegal e a grilagem de terras. Defendeu o acesso a pesquisa e desenvolvimento (P&D). Participou da promoção comercial do agro e esteve junto nas discussões que pautaram a aprovação do Código Florestal.

São centenas de ações históricas, corajosas e protagonistas a serviço do Brasil. Foi um enorme aprendizado. Conhecemos as diversas faces do agro nacional e, por causa da ABAG, construímos um networking nacional e internacional. Tentamos pautar uma nova ação, postura e comunicação do agro.
Acho que, ao ver o número de empresas do setor na última COP, concluímos que conseguimos ser uma parte importante desse processo de evolução. Saio melhor como pessoa, como empresário e como ser humano desse processo.

QUAIS FORAM ESSAS FACES DO AGRONEGÓCIO?
MB: Nesta pequena palavra – “agro” –, cabe quase tudo, seja para o bem ou para o mal. De um lado, temos um agro pujante, sustentável, moderno, produtivo, que coloca os produtos do Brasil em mais de 190 países. Esse agro, segundo o Censo Agropecuário 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é representado por cerca de 2% das quase 6 milhões de propriedades rurais do País.

Temos o pequeno agro moderno, inclusivo e gerador de profundas transformações regionais. Esses são os cooperados. As cooperativas são o verdadeiro elo entre o pequeno produtor e o mundo real, do comércio bruto e competitivo, pois dão a esses cooperados acesso a tecnologia, inovação, financiamento e, acima de tudo, na somatória desses produtores, o poder do volume tão necessário para acessar os grandes clientes e os grandes mercados nacionais e internacionais, vide o exemplo da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), entre tantos outros.

Por fim, tem-se os pequenos produtores independentes, abandonados à própria sorte, que compõem mais de 60% das propriedades rurais brasileiras. Esses ainda estão à margem dos mercados e das inovações tecnológicas e fazem parte dos bolsões de pobreza. Mais do que um desafio, trata-se de uma enorme oportunidade ao Estado brasileiro, pois são milhões de propriedades que ainda podem ser inseridas num modelo de prosperidade socioeconômica e ambiental e de enorme poder de geração de empregos, renda e impostos, além de se possibilitar, assim, uma redução da profunda desigualdade social que assola o nosso País.

NESTE ANO, O AGRO DEVE REPRESENTAR 30% DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) NACIONAL. COMO VOCÊ ANALISA ESSA IMENSA PARTICIPAÇÃO?
MB: Como um misto de alegria e apreensão. Alegria por mostrar esse enorme potencial nacional que ainda nem chegou perto da metade do seu limite potencial, principalmente diante das novas tecnologias. E, também, por ter superado com maestria todos os desafios impostos pela pandemia de COVID-19. Mas com apreensão por ver o derretimento do PIB industrial e a diminuição nos serviços.

O crescimento do nosso setor somente será sólido no longo prazo se indústria e serviços também crescerem. Flores, em meio a cactos, têm vida curta. Hoje, a indústria nacional processa 58% de tudo que é produzido pelo agro nacional, índice esse equivalente ao do agro americano há cerca de sessenta anos. Entretanto, para transformar esse rumo, precisamos melhorar enquanto país. Com os atuais sistemas tributário, político e administrativo, a nossa governança pública continuará capenga, produzindo pequenas elites privilegiadas e milhões de miseráveis. A construção de um país dá-se por integridade nos seus processos, credibilidade política e jurídica, além de transparência pública. E, nesse tripé, estamos muito mal.

QUAIS SÃO AS SUAS EXPECTATIVAS PARA O AGRO NACIONAL ATÉ O FIM DESTA DÉCADA?
MB: Sou otimista no longo prazo, apesar de entender que já estamos emprestando do futuro boa parte da nossa capacidade de investimento e da nossa parca poupança nacional. As decisões fiscais e econômicas adotadas neste ano e a inação nas reformas de Estado nessa última década trarão malefícios duradouros. Mas o agro nacional já se acostumou com esse lamentável caos administrativo e cresceu apesar do Brasil.

O setor privado encarregou-se de catapultar as transformações inovativas que alimentam o crescimento setorial, vendo o Governo correr atrás na busca por evolução na regulação pública, que está sempre atrasada, vide a implementação do Código Florestal. E assim continuaremos, pois aposto que, se conseguirmos, enquanto sociedade, enquadrar um mínimo projeto sério de país a partir de 2023, seja lá com quem for o vencedor, já teremos em mãos parte das ferramentas para nos encaixar novamente no trilho do desenvolvimento. Dito isso, se os ventos políticos soprarem ao nosso favor, vejo o agro nacional bem mais próximo da liderança mundial ao final desta década, mas há outras tarefas urgentes.

E QUAIS SÃO ESSAS URGÊNCIAS?
MB: Amazônia. Nas palavras da exministra do Ministério do Meio Ambiente (MMA) Izabella Teixeira, “essa nos coloca, mas também nos tira do mundo”. Neste momento, está nos tirando. Os erros crassos e a falta de rumo estratégico, quase amadores, da recente política ambiental e de relações internacionais brasileira mostram a sua face mais perversa ao fragilizar a imagem e as relações internacionais do País. O desmatamento cresce sem parar há seis anos, ganhou ainda mais tração nos últimos três anos e atingiu, no período de agosto de 2020 a julho último, o seu pior resultado desde 2006.

Não cabe mais essa velha conversa de que, se os outros fizeram, nós podemos fazer. Essa narrativa não pertence ao moderno agro nacional, justamente quem mais se utilizou de ciência e tecnologia para chegar aonde chegou. Se usássemos os métodos que os “outros” utilizaram duzentos ou trezentos anos atrás, não estaríamos onde estamos. E esquecemos propositalmente que, na nossa história de desenvolvimento, também quase destruímos por completo a Mata Atlântica, imensa, e encolhemos a população das comunidades tradicionais em 70%. Então, não é desse campo que se tiram lições objetivas, mas de ações e comportamentos que estejam alinhados ao seu consumidor de amanhã, pois, para o de hoje, você já produziu ontem, virou passado, e nada nessa vida é mais temporário do que a Ciência, o comportamento do consumidor e o desenvolvimento de novas tendências.

Nesse mundo digital, o nosso maior competidor são as disrupções que ocorrerão no mercado consumidor, fruto da melhoria contínua exigida pela própria sociedade e pautada na boa ciência. Resolvido o problema do desmatamento ilegal, somos imbatíveis, pois somos a maior potência “agroambiental” deste Planeta.

“O CRESCIMENTO DO NOSSO SETOR SOMENTE SERÁ SÓLIDO NO LONGO PRAZO SE INDÚSTRIA E SERVIÇOS TAMBÉM CRESCEREM.”

“…NADA NESSA VIDA É MAIS TEMPORÁRIO DO QUE A CIÊNCIA, O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS TENDÊNCIAS.”

ESSAS SUAS POSIÇÕES LHE RENDERAM ADEPTOS, MAS TAMBÉM MUITOS OPOSITORES.
MB: Mas é evidente que sim. Profetizei isso no começo do meu mandato, por me conhecer bem. Sou uma pessoa incomodada, não consigo dormir um só dia sem nada ter lido, aprendido ou mesmo me questionado. Quem não se move pelo poder do incômodo não sabe o poder do protagonismo. As transformações não ocorrem por osmose natural; têm de ser forçadas.

No seu livro “O Poder do Incômodo”, o nosso ilustre amigo Luiz Tejon faz citação a um encontro que teve com o famoso escritor Daniel Goleman – criador da inteligência emocional –, em que ouviu que “cerca de 11% das pessoas são engajadas. Vivem intensamente de corpo, alma e espírito as situações… têm seu foco ativado… os turbilhões de incômodos atiçam e ativam seus neurônios e os movimentam. Outros 19% são aderentes ao engajamento… Esses 30% são os responsáveis por encorajar uma outra parcela relativa a 50% do universo global, a turma do meio, indiferente a quase tudo que significa a escolha pela evolução, a quem Goleman classificou como ‘turistas passando pela terra’. Os demais 20% são classificados como, na linguagem de Goleman, ‘terroristas, falando mal, detonando, acusando e destruindo o que estiver a seu redor’”.

A vida é uma dádiva fantástica, que não pode ser limitada por obscurantismos ideológicos. O medo pelo novo afasta muitos, mas me atrai. Não existe setor mais fantástico para experimentar os ativos da evolução científica e tecnológica do que a experiência viva traduzida pela interação do meio ambiente e da produção de alimentos, fontes da sobrevivência humana. Eu sou assim e, no dia que me der por satisfeito, penduro as chuteiras; não haverá mais razões para evoluir.

A ABAG ESTEVE NA ÚLTIMA COP. QUE LIÇÕES E EXPERIÊNCIAS SE TROUXE DE LÁ?
MB: A meu ver, foi esclarecedora. Esperar que um conjunto de países com matizes ideológicas e diferenças culturais, sociais e econômicas assumam um consenso tornou-se quase impossível ante um mundo polarizado. As nações ricas, finalmente, mostraram sua cara e, sob o pretexto dos desequilíbrios provocados pela pandemia, novamente correram da responsabilidade de colocar compulsoriamente US$ 100 bilhões por ano (promessa feita em 2015) em recursos nessa transição aos países em desenvolvimento. Isso acabou ficando no campo voluntário. O mais salutar foi ver a coesão criada entre o setor privado e a sociedade civil. A agenda ESG (sigla para environmental, social and governance) veio para ficar, e quem achar que é história para boi dormir acordará um dia fora do mercado.

“O MAIS SALUTAR FOI VER A COESÃO CRIADA ENTRE O SETOR PRIVADO E A SOCIEDADE CIVIL.”

QUAIS SÃO OS SEUS PRÓXIMOS PASSOS?
MB: Muito trabalho. Sou sócio de uma empresa de investimento de impactos socioambientais sobre a Amazônia e de outra na costa brasileira, que vão muito bem. Paralelamente, assumi a coordenação técnica da Academia Global do Agro, na Fundação Dom Cabral (FDC), um desafio enorme de montar uma agenda estruturante e, ao mesmo tempo, disruptiva no nosso setor, unindo as diversas “inteligências” disponíveis na biblioteca humana da Fundação e os seus parceiros, além de participar de alguns conselhos de empresas privadas e organizações não governamentais (ONGs) nacionais e internacionais. Muita diversão à frente, sempre ligado e antenado ao agro nacional, esse fantástico setor repleto de inovadores do mais alto nível. Só posso agradecer muito a oportunidade concedida e, para não ser injusto com muitos, concentro essa gratidão a todos na pessoa do amigo Caio Carvalho. Saúde a todos!