Ambientalistas consideraram a decisão um marco histórico, mas também fizeram algumas ressalvas à nova legislação do bloco

Por Cleyton Vilarino, Eliane Silva e Mariana Grilli — Redação Globo Rural | 08/12/2022

Representantes da agropecuária brasileira criticaram a União Europeia, que anunciou ter chegado a um acordo para banir importações de produtos vinculados a desmatamento. Lideranças do setor falam em insegurança para os produtores e falta de consideração com as regras previstas na legislação ambiental do Brasil.

O acordo anunciado pelo bloco na terça-feira (6/12) veta compras de produtos de áreas desmatadas ou degradadas depois de dezembro de 2020. A medida atinge itens como soja, carne bovina e café. Inclui também óleo de palma, madeira, borracha e derivados, como chocolate, couro, móveis e papel. A decisão vale não só para florestas primárias (vegetação original), mas para todos os tipos. E as empresas importadoras deverão comprovar a rastreabilidade de suas cadeias produtivas.

Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a legislação europeia tem que fazer uma diferenciação do que é desmatamento legal e ilegal. E excluir das sanções os casos em que a abertura de áreas tenha sido realizada de acordo com o previsto no Código Florestal Brasileiro.

“A legislação europeia não faz distinção entre abertura de terras legal ou ilegal. O Reino Unido faz essa distinção na proposta que vai sair, os EUA ainda não têm nem texto pronto, está em discussão. Mas a União Europeia não faz distinção e coloca uma data de corte anterior, de 31 de dezembro de 2020. Então, sim, estamos acompanhando com atenção”, reconhece a diretora de Relações Internacionais da entidade, Sueme Mori.

Segundo ela, a forma como a informação foi divulgada pelos europeus ainda gera dúvidas sobre como a legislação será aplicada. A preocupação da CNA é saber se as medidas estão “além do necessário” ou em desacordo com alguma regra da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“A Europa é o segundo mercado do agro brasileiro e para alguns setores como café ela representa 49% das exportações. Então estamos, sim, acompanhando muito de perto e com bastante preocupação”, diz ela.

Definição de floresta

Ingo Ploger, diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), ressalta que, além da distinção entre o desmatamento legal e ilegal, a União Europeia deve deixar clara qual é a definição de floresta que pretende adotar como base para a legislação. Para ele, faltou diálogo com o “outro lado”, o que pode induzir a erros e prejudicar a própria União Europeia.


“Existe uma necessidade de diálogo, porque, simplesmente como foi colocado, vamos ter muitas discussões em aberto. Abrir espaço ao diálogo com grupo político, empresarial e entidades da sociedade civil. Se aplicarem a lei, eles vão se prejudicar e atingir a própria população europeia. O produto vai ficar mais caro. O consumidor europeu vai pagar mais caro”, afirma.

Paulo Bertolini, diretor da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) e da Aliança Internacional do Milho (Maizall), diz que a decisão da União Europeia traz insegurança e revolta ao produtor brasileiro, que se sente injustiçado. Em sua avaliação, o bloco desrespeita o Código Florestal e tira direitos dos produtores brasileiros.

“Independentemente do tamanho do seu mercado, a União Europeia exerce uma influência muito forte sobre os outros países. E não é uma questão de ciência, é de visão de mundo. A decisão é baseada em narrativas e não no bom senso”, diz ele, produtor de grãos como soja, milho, trigo e feijão.

Bertolini conta que, como presidente da Maizall, cargo que ocupou até junho deste ano, participou de reuniões na Europa. Afirma ter defendido a sustentabilidade da agricultura brasileira, usando como exemplo o plantio direto, mas não ter sido ouvido.

Ele ressalta que, na falta do milho da Ucrânia, devido à guerra com a Rússia, o bloco europeu elevou a importação de milho transgênico, embora proíba o cultivo desse grão em seu território. “Não tem base científica nenhuma. Só paixão.”

Dentro do governo brasileiro, quem se manifestou publicamente foi o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Na terça-feira (6/12), ao participar da reunião semanal da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), em Brasília (DF), ele defendeu que a União Europeia remunere quem preserva floresta e o Brasil divulgue que sua agricultura é sustentável.

Histórica, mas não perfeita

Especialistas na área ambiental elogiaram a decisão da União Europeia, mas também não deixaram de lado algumas ressalvas. Na avaliação do Observatório do Clima, “o novo regulamento é um marco histórico para as florestas”, à medida que os compradores poderão auditar a produção de commodities e recusar os produtos constatados como originados em áreas desmatadas ou degradadas.

“A legislação europeia está longe de ser perfeita, mas ela dá um sinal importantíssimo para o mundo inteiro: o desmatamento não deve mais ser tolerado”, salienta Marcio Astrini, secretário-executivo do OC.

Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), considera a resolução da União Europeia uma tendência mundial, que deve se estender a outros blocos ou países, como Estados Unidos e China.

“Essas medidas precisam ter a coibição de importar ilegalidade. E, por outro lado, os países importadores ajudarem a fazer uma identificação de produtores estão em conformidade com a legislação e que, portanto, devem ser beneficiados”, diz Moutinho, um dos líderes do Fórum de Diálogo Desmatamento da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.

Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) criticou, por outro lado, a rejeição da proposta de incluir “outras áreas florestadas” nas auditorias. Em sua avaliação, essa decisão deixa o Cerrado vulnerável.

“Mais uma vez, o Cerrado é colocado como bioma de sacrifício. Os europeus deram uma sinalização importante para o mundo, mas perderam a oportunidade de fazer uma lei efetiva”, considera. “Aumenta o risco do esgarçamento dos recursos hídricos, crise de abastecimento d’água e energética para os maiores centros urbanos do país, e o acirramento da violência no campo”, comenta.

Foto: Nájia Furlan/Portos do Paraná
Fonte: Globo Rural